
Confúcio foi um pensador e filósofo chinês que viveu entre 552 e 489 a.C. É de sua autoria a famosa frase: “Escolha um trabalho que você ama e não terá que trabalhar um único dia na sua vida”.
A frase se aplica, literalmente, a Valdeide Fernandes, que trabalha há 34 anos como merendeira em Rio Branco, atualmente lotada na Escola Tancredo de Almeida Neves, na região da Baixada da Sobral. “Escolhi essa profissão porque amo cozinhar e isso para mim não é trabalho, é diversão”, diz.
Com oito cursos na área da alimentação, a profissional conta que tem o dia a dia muito laborioso. Chega cedo à escola e prepara a merenda dos alunos, servida às 9h, que é a primeira refeição para muitos deles. Depois se dedica ao almoço, servido para a primeira turma às 11h15, e, para a segunda, às 12h40. Já às 15h serve a merenda para os estudantes do turno vespertino.

“A gente fica muito feliz quando está servindo a merenda; eles dizem assim ‘a senhora não quer ir lá para casa, para cozinhar para a gente?’ ou então ‘eu queria tanto que a senhora ensinasse a nossa mãe a cozinhar’; isso é muito gratificante para a gente”, destaca.
Próximo da aposentadoria, Valdeide conta que não trocaria a profissão de merendeira. “Eu vou me aposentar nesta profissão; já tive convites para outros trabalhos, para ser inspetora, mas eu não troco, porque o meu amor é pela cantina, pela merenda, porque eu cozinho do mesmo jeito que se fosse para os meus filhos”, garante.

Entre as refeições que mais agradam os alunos, relata, está a farofa de carne: “Eles limpam a panela, é o prato preferido deles. No dia em que tem farofa de carne, não sobra nada”.
Bem-sucedida em sua missão, Valdeide ensina: “Eu gostaria de dizer que as pessoas se dediquem a essa profissão, que deem sempre o seu melhor, que façam sempre um pouco a mais e não apenas o que é encomendado fazer, mas que deem um passo a mais, para fazer o melhor, porque as crianças merecem ser bem tratadas”.
Em 30 de outubro é comemorado o Dia da Merendeira Escolar, evento criado em 1945, quando o governo brasileiro criou a profissão, diretamente ligada à oferta de merenda nas escolas. O Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) evoluiu de políticas criadas a partir da década de 30 do século passado.
As merendeiras desempenham um papel fundamental ao preparar refeições saudáveis, nutritivas e seguras para os alunos, impactando diretamente no desenvolvimento físico e no rendimento escolar, na medida em que o trabalho dessas profissionais repercute além da cozinha, ajudando a formar bons hábitos alimentares.
Entre as merendeiras também está Estefana Maria de Souza, na profissão há dez anos, sendo oito na Escola Glória Perez e dois no Colégio Estadual Sebastião Pedrosa, localizado no Segundo Distrito de Rio Branco.

“Eu gosto de trabalhar na cozinha, gosto de mexer com comida e mexer com gente. Já fui cobradeira, mas depois mudei de profissão, ‘Me descobri’ na merenda escolar e achei muito melhor”, conta. E completa: “A gente cuida dos alunos, faz a merenda, eles gostam, a gente trata eles muito bem e eles também nos tratam muito bem, tanto que o almoço, eles dizem, é excelente. É muito bom trabalhar aqui na escola”, afirma.
Na percepção de Estefana, a refeição que os alunos mais apreciam é carne guisada, um tipo de assado de panela. “Eles gostam com tudo completo: arroz, feijão, farofa e macarrão, sem falar no café da manhã, que também adoram, quando chegam na escola”, narra.

“As pessoas têm que dar mais valor para a gente, porque a gente faz de um tudo e faz sempre o melhor; tratamos todos muito bem, principalmente os alunos, a quem servimos, porque, afinal de contas, estamos aqui para servir”, diz.
Quem gosta muito da merenda e também das merendeiras é a aluna Hevellyne Sampaio, da 2ª série do ensino médio. “A comida é muito boa, porque elas preparam tudo com muito amor e carinho”, avalia. “Se trocassem as merendeiras, não sei como seria, porque já estou acostumada com a comida delas e com todas as ‘tias’. Elas são um símbolo de simpatia e de generosidade”, frisa.
Embora tenha surgido na década de 30, a campanha da merenda escolar foi formalizada em 1955 e transformada no Plano Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) em 1979. O programa foi instituído durante o governo do presidente Café Filho e, durante a gestão de João Figueiredo, recebeu o nome atual, passando a ser coordenado pelo Instituto Nacional de Alimentação e Nutrição (Inan).
Em 2009 foi criada a Lei nº 11.947, que estabelece que todos os alunos da educação básica têm direito à alimentação. Mais recentemente, a Lei nº 15.226/2025 ampliou o percentual mínimo de recursos do Pnae em 45%, para a compra de alimentos da agricultura familiar.

Outra lei importante, a nº 12.982/2014, passou a exigir cardápios adaptados para necessidades alimentares especiais e a inclusão da educação alimentar e nutricional no currículo escolar.
A merendeira é a profissional responsável pelo preparo e distribuição da merenda escolar e, entre suas funções, inclui-se a organização da cozinha e do refeitório, a preparação alimentar, o controle de estoque de mantimentos e a distribuição dos alimentos de forma adequada.

Em uma profissão dominada pelas mulheres, o merendeiro Gleyson do Nascimento trabalha há três anos na Escola São Pedro I, localizada no Ramal do Benfica, na comunidade de mesmo nome. O cotidiano do profissional é exigente, ao atender diariamente alunos do ensino fundamental e do ensino médio: “É corrido, e eles sempre perguntam ‘tio, qual é a merenda hoje?’; mas é muito bacana ver o sorriso deles, ver o momento de eles se alimentarem. Muitos que fogem da sala de aula para vir na cantina perguntar se a gente está bem, qual é a merenda, como foi o nosso fim de semana; então eu acho muito gratificante todos esses detalhes e o nosso sentimento é de gratidão”, destaca.

Segundo o profissional, entre todos os pratos que ele e mais duas merendeiras da escola preparam, o que os alunos mais gostam é um mexidão de carne cozida ou com frango desfiado. “É muito gratificante ver o sorriso dos alunos; só tenho a parabenizar todos os merendeiros e todas as merendeiras pela dedicação, porque não é apenas fazer um alimento, mas sobretudo colocar amor naquilo que estamos preparando”, afirma Gleyson, que, por meio da interação empática com os alunos, acabou se tornando amigo e conselheiro de muitos.
Entre os estudantes atendidos pelo merendeiro da Escola São Pedro I, está Kevellyn Nascimento, da 3ª série do ensino médio, que tem especial apreço pela equipe da cantina. “Eles vão muito além do trabalho, são amigos, são parceiros, são conselheiros; a gente conversa e eles escutam muito quando a gente precisa, quando a gente vem com algum problema”, testemunha.
Quanto aos pratos que Kevellyn mais gosta, além do famoso mexidão, está o mingau de aveia. Para a aluna, a merenda em sua escola é muito boa e muito bem temperada: “Eles conseguem manusear muito bem os alimentos e a comida fica realmente muito boa”.

A nutricionista Lorena Lima é a chefe da Divisão de Nutrição (Dinutri) da Secretaria de Estado de Educação e Cultura do Acre (SEE). Para ela, as merendeiras, também tecnicamente chamadas de “manipuladoras”, exercem papel estratégico e fundamental para garantir uma boa alimentação aos alunos da rede pública.
Segundo Lorena, o Pnae tem o objetivo de fornecer refeições saudáveis durante todo o ano letivo. “As merendeiras têm papel estratégico, por meio do qual a gente consegue garantir que todos os dias a comida seja preparada na escola e garanta o direito à alimentação dos alunos”, explica.

“Elas são profissionais fundamentais na garantia da qualidade e da quantidade, para que se possa dar dignidade a essas crianças quando se trata de alimentação escolar em nosso estado. Por isso a gente precisa valorizar as merendeiras, que são fundamentais para o planejamento que é executado nas escolas”, aponta.
Acompanhadas por nutricionistas da SEE, as merendeiras são capacitadas para realizar as boas práticas. “Elas são orientadas, em visitas que a gente realiza durante o ano, conforme o cronograma, e a nossa divisão fornece tanto os materiais quanto o manual de boas práticas, pois os procedimentos são padronizados”, destaca, detalhando que a alimentação escolar exige cuidado diário, que começa na sede da secretaria e termina na escola. Envolve a compra, o planejamento do cardápio, a capacitação das merendeiras e a entrega do alimento pronto aos alunos.
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