“Não tenham medo de denunciar”. Com essa frase, uma vítima de violência doméstica, Laura Souza [nome fictício] resumiu o apelo às mulheres que ainda sofrem em silêncio. Em seu relato, ela destacou a importância de procurar ajuda, registrar ocorrência e buscar os direitos garantidos por lei para evitar que a violência avance para situações ainda mais graves.
E foi nesse cenário de enfrentamento à violência que a policial civil Ângela Lima criou, em 2020, o projeto “Ei, você consegue!”. A iniciativa nasceu na Delegacia da Mulher (Deam), em Rio Branco, com a missão de oferecer acolhimento humanizado a vítimas de violência doméstica e familiar.
A ideia inicial do projeto surgiu da vivência e da sensibilidade de quem sempre trabalhou com cuidado e escuta. Antes de ingressar na Polícia Civil do Acre (PCAC), Ângela foi professora por 14 anos e já desenvolvia ações de acolhimento com seus alunos. Ao assumir o cargo na PCAC, ela percebeu que o mesmo olhar humano também era essencial no atendimento às vítimas de violência.
No início, atuando no registro de ocorrências, Ângela já buscava oferecer mais do que os procedimentos formais, inserindo palavras de apoio e incentivo para fortalecer as vítimas. Com o tempo, passou a ser responsável pelas medidas protetivas e, nesse novo espaço, percebeu ainda mais a necessidade de inovar.
Foi nesse contexto que nasceu o embrião do projeto. Entre atendimentos emocionantes e desafiadores, ela passou a oferecer às mulheres um chocolate acompanhado de frases motivacionais. O gesto simples, aliado à escuta atenta, transformava o ambiente: mulheres que entravam chorando, muitas vezes saíam mais confiantes e sorrindo.
“Os colegas brincavam dizendo que havia uma mágica na minha sala. Mas não era mágica, era empatia. Era filtrar cada caso, compreender a dor de cada uma e dar a resposta que aquela mulher precisava naquele momento”, explica.
A iniciativa cresceu e se estruturou até se tornar o projeto “Ei, você consegue!”, hoje reconhecido por trabalhar o empoderamento, a autoestima e a esperança das vítimas. A cada atendimento, Ângela reforça que a denúncia é um passo difícil, mas que pode significar o recomeço de uma vida livre da violência.
Com uma trajetória marcada pela atuação na segurança pública e na educação, Ângela estruturou a iniciativa como resposta à realidade alarmante de casos de agressão contra mulheres no estado. O projeto, que é desenvolvido em Rio Branco e Cruzeiro do Sul, busca fortalecer a autoestima, a independência e o empoderamento das vítimas, incentivando a denúncia e ajudando-as a romper o ciclo de violência.
Uma das marcas do projeto é a entrega de mudinhas de cactos. Durante o primeiro atendimento, as vítimas de violência recebem uma plantinha que, simbolicamente, representa resistência, resiliência e adaptação.
Por atuar diariamente em ocorrências de violência doméstica, a policial militar G. N. relatou que sentia vergonha e medo de buscar atendimento.
“Cheguei em uma situação de vulnerabilidade e, devido a minha profissão, me sentia constrangida em buscar ajuda. Mas com a Ângela foi diferente: ela me acolheu, demonstrou empatia, cuidado e me deu forças para não desistir. Isso me fez confiar e me encorajou a seguir em frente”, disse.
Após anos sofrendo violência doméstica, M. L. A. relembra o processo doloroso que enfrentou até conseguir romper o ciclo de agressões. Dependente financeiramente do companheiro, ela resistiu durante anos, mas em 2019 buscou ajuda e encontrou apoio.
“Foram 19 anos de violência doméstica. Quando cheguei à Delegacia da Mulher eu estava totalmente abalada e desorientada, mas encontrei a Ângela, que foi um anjo na minha vida. Graças a Deus, consegui sair desse ciclo. Hoje trabalho, moro com meus filhos e estou bem”, contou.
De acordo com a idealizadora do projeto, também são atendidas mulheres trans, travestis e pessoas que se identificam como mulheres, reforçando seu caráter inclusivo. Além disso, há a previsão de ampliar a iniciativa para crianças e adolescentes em situação de violência, bem como realizar palestras em municípios do Acre e, futuramente, em outros estados do país.
Outro eixo de atuação é a capacitação de profissionais de segurança pública, incentivando práticas empáticas e evitando a revitimização das mulheres. Para Ângela, o diferencial está em atender cada pessoa com humanidade, respeito e amor.
O projeto prevê monitoramento constante, com base no feedback das vítimas, para avaliar os resultados e promover melhorias. A proposta é simples, mas transformadora: garantir que cada mulher atendida saia mais forte e confiante de que é capaz de recomeçar.
O projeto “Ei, você consegue!” foi destaque na 1ª edição do Concurso de Boas Práticas em Prol das Mulheres Brasileiras, promovido pela Associação Brasileira das Mulheres de Carreira Jurídica (ABMCJ), em parceria com a professora Alice Bianchini, referência no enfrentamento à violência de gênero.
Além disso, em julho deste ano, a iniciativa também foi selecionada para a próxima etapa do Prêmio Innovare, uma das mais importantes premiações do país que reconhece práticas inovadoras que contribuem para a modernização, celeridade e eficiência da justiça brasileira. O projeto foi inscrito na categoria “Justiça e Cidadania” e agora segue para a fase de visitas técnicas de consultores, etapa decisiva da premiação.
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