A Assembleia Legislativa do Acre realizou, na manhã desta segunda-feira (22), uma audiência pública para discutir “A importância da doação de órgãos e a atual situação dos transplantes no Estado do Acre”. O evento, de autoria do deputado estadual Adailton Cruz (PSB), reuniu autoridades, profissionais da saúde, representantes de instituições e a sociedade civil para debater desafios e propor soluções que incentivem a cultura da doação no estado.
O encontro ocorreu no plenário do Poder Legislativo e foi presidido pelo deputado Eduardo Ribeiro (PSD), contou com a presença de parlamentares, especialistas e familiares de pacientes que aguardam na fila por transplantes. A audiência teve como objetivo levantar propostas que possam contribuir para ampliar a conscientização da população, além de cobrar avanços nas políticas públicas voltadas ao tema.
Na abertura da audiência, o deputado Eduardo Ribeiro ressaltou a relevância do tema em debate e destacou o esforço coletivo para que a discussão fosse realizada. “Quero agradecer a presença de todos nesta Casa para tratarmos de um assunto de fundamental importância para a sociedade, que é a doação de órgãos e a atual situação dos transplantes no Estado. Esta audiência é fruto de um requerimento aprovado pelos parlamentares, e nosso objetivo é projetar soluções que possam garantir um futuro melhor para a população”.
A presidente da Fundação Hospitalar, Dra. Soron Steiner, ressaltou a importância da audiência pública sobre doação de órgãos, destacando a iniciativa como um marco para o Acre. “Quero parabenizar toda a equipe da Fundação Hospitalar e a Secretaria de Estado de Saúde por essa ação inédita. Que essa seja a primeira de muitas audiências, sempre buscando transparência nos dados e sensibilizando a população acreana para a importância da doação local”, afirmou.
Na sequência, Dra. Soron destacou que os verdadeiros protagonistas são os pacientes, e passou a palavra para a transplantada de tecido ósseo, Nerian, que emocionou os presentes ao compartilhar sua trajetória. “Há 11 anos sofri um acidente de trânsito que fraturou minhas duas pernas. Passei por vários procedimentos, mas apenas a perna esquerda se recuperou. Para a direita, a única solução era o transplante ósseo. Esperei por mais de uma década e, neste ano, realizei o primeiro transplante ósseo feito no Acre. Estou em recuperação e sigo com a fisioterapia. Quero reforçar a importância da doação, para que mais pessoas tenham a chance de recomeçar”, declarou.
Em seguida, a palavra foi passada à jovem transplantada de córnea, Isabele, que compartilhou sua trajetória. Ela contou que desde os três anos enfrentava problemas de visão e que, após o uso de lentes de contato, desenvolveu uma úlcera que deixou cicatriz em sua córnea, resultando na perda da visão do olho esquerdo. “Todo o meu tratamento foi feito pelo SUS, que salvou a minha visão. Em outubro de 2021 entrei na fila de transplante e, no dia 7 de agosto deste ano, realizei a cirurgia que transformou a minha vida. Sou muito grata à Fundação Hospitalar, ao SUS, à doutora Natália Moreno, à Valéria que acompanhou todo o processo e, principalmente, à família doadora, que em meio ao luto permitiu que eu tivesse um novo recomeço”, declarou.
O evento também contou com o depoimento de Marcelo Gomes, paciente transplantado de rim recentemente no Acre. Ele relatou sua trajetória desde o diagnóstico de lúpus em 2010, a perda da função renal em 2014 e o início da hemodiálise em 2019, até receber o transplante no último dia 31. “Graças a Deus, hoje estou aqui como transplantado. Quero agradecer a toda a equipe da doutora Jarine e da Fundação Hospitalar, que possibilitaram esse momento. Também deixo um apelo às pessoas para que conversem com seus familiares e entendam a importância da doação de órgãos”.
Acre se consolida como referência em transplantes
Valéria lembrou que o Hospital das Clínicas é o único transplantador habilitado no Acre e que o estado já se destaca no cenário nacional. “No caso do transplante de fígado, hoje apenas Acre e Pará realizam na região Norte, e nós começamos antes, o que mostra a força do nosso estado”, ressaltou.
Desde a criação do programa já foram realizados 556 transplantes, sendo 107 de rim, 340 de córnea, 107 de fígado e 2 musculoesqueléticos. “São 556 vidas transformadas, de pessoas que puderam retomar suas atividades e conviver com suas famílias”, destacou. Ela pontuou, no entanto, que ainda há desafios. Atualmente, 274 pacientes aguardam por um transplante no Acre, sendo a maior fila a de córnea. “Apesar de ser um procedimento menos complexo, é onde está nossa maior demanda”, explicou.
Nos últimos anos, os resultados demonstram crescimento expressivo. Em 2023, foram 18 transplantes de fígado e 6 de córnea. Já em 2024, o estado bateu recorde, com 16 transplantes de fígado, 42 de córnea e a retomada do transplante renal. “Segundo a Associação Brasileira de Transplantes, ficamos em quarto lugar entre os estados que mais realizaram transplantes de fígado por milhão de habitantes em 2024. É um resultado que nos motiva ainda mais”, disse.
Em 2025, o Acre conquistou a habilitação para transplante de tecidos musculoesqueléticos. Até setembro, já haviam sido realizados 11 transplantes de fígado, 7 renais, 7 de córnea e 2 musculoesqueléticos. “Conseguimos ampliar nossa capacidade de salvar vidas, mostrando que estamos preparados para novos desafios”, ressaltou.
Apesar dos avanços, a chefe do serviço frisou que a principal barreira está na efetivação das doações. “Em 2024 ficamos em segundo lugar em notificações de potenciais doadores, o que mostra o enorme potencial do Acre. Mas essas notificações não se transformaram em doações efetivas. Precisamos mudar essa realidade para zerar nossas filas”, afirmou.
Ao encerrar sua fala, Valéria comparou o cenário com o estado vizinho. “Estamos ao lado de Rondônia, que é primeiro lugar em efetivação de doações proporcionalmente. Temos potencial gigantesco e, quando a sociedade acreana abraçar essa causa, poderemos realizar muito mais transplantes e zerar as filas. Isso é uma realidade palpável”, concluiu.
Representando o Controle Social na Execução das Políticas Públicas, o médico Osvaldo Leal ressaltou a importância da central de transplantes e do trabalho conjunto realizado por profissionais e instituições ao longo dos anos. Ele destacou que os avanços só foram possíveis graças à dedicação das equipes envolvidas e ao compromisso dos governos que se sucederam. “É um orgulho enorme compartilhar esta mesa e reforçar que nada disso seria possível sem a dedicação das equipes de saúde. O controle social tem papel fundamental na consolidação das políticas que garantem acesso e qualidade no atendimento à população”, afirmou.
Ela também reforçou que a retomada dos transplantes renais no Acre é uma prioridade, pedindo desculpas à população pelo período em que o serviço foi desabilitado. “Nós, gestores da saúde, não temos o direito de deixar nenhum serviço morrer por problemas administrativos. Viver dependendo de uma máquina de hemodiálise é apenas uma sobrevida, por isso a doação de órgãos é fundamental para que possamos prosseguir com nossos projetos e oferecer mais qualidade de vida para os pacientes”, concluiu.
Michelle Melo defende conscientização sobre doação de órgãos
A deputada Michelle Melo (PDT) destacou em seu discurso a importância de fortalecer a conscientização sobre a doação de órgãos no Acre, ressaltando que esse gesto simples pode transformar vidas. Ela lembrou o exemplo de um pastor recentemente consagrado, que pôde exercer seu ministério graças a um transplante renal.
A parlamentar também prestou homenagem à médica Jarine, a quem classificou como um “milagre na vida de muitas famílias”, relatando um caso em que a profissional atendeu prontamente um paciente em estado delicado. “Eu lhe agradeço muito por permanecer com esse coração prestativo e humano, que conheci ainda na UTI Covid. Precisamos que Estado e municípios reforcem junto à população a importância da doação de órgãos, porque salvar vidas é a missão maior dessa causa”, declarou.
Soron encerra audiência destacando avanços e desafios na doação de órgãos
Ao final da audiência pública, Soron Steiner falou emocionada sobre a trajetória que colocou o Acre em posição de destaque nacional nos transplantes, agradecendo a sensibilidade da Comissão de Saúde da Aleac e o empenho das equipes envolvidas. Ela reconheceu o apoio da FAB e do governo estadual na logística, mas enfatizou que o grande desafio é ampliar as doações locais. “Nós já somos referência nacional, mas precisamos que as notificações se convertam em doações efetivas. É fundamental que as famílias acreanas compreendam a importância desse gesto de amor, que devolve qualidade de vida e esperança para tantos pacientes”, declarou.
Texto: Andressa Oliveira
Fotos: João Henrique