Falar com a Gazeta!
Gazeta Buritis
Publicidade

Estudo mostra que 4 milhões de pessoas estão sob domínio armado no Rio

Fragilidade do Estado e desigualdades sociais ampliam poder de facções

Redação
Por: Redação Fonte: Agência Brasil
04/12/2025 às 15h43
Estudo mostra que 4 milhões de pessoas estão sob domínio armado no Rio
© Tânia Rêgo/Agência Brasil

A Região Metropolitana do Rio de Janeiro tinha, em 2024, cerca de 4 milhões de pessoas vivendo sob controle ou influência de grupos armados, número que corresponde a 34,9% da população e 18,1% da superfície urbanizada habitada.

Continua após a publicidade
Receba, no WhatsApp, as principais notícias da Gazeta Buritis!
ENTRAR NO GRUPO

Os dados são da nova edição do Mapa Histórico dos Grupos Armados, elaborado pelo Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos (GENI/UFF) e pelo Instituto Fogo Cruzado.

Entre 2007 e 2024, essa área cresceu 130,4% e a população atingida aumentou 59,4%.

Para os organizadores do estudo, é um sinal de que o domínio armado se organiza como parte estrutural da cidade e responde diretamente às fragilidades do Estado.

Continua após a publicidade
Anúncio

Os pesquisadores fazem a distinção entre “controle” – quando há extração de recursos, imposição de normas e sustentação pela força – e “influência”, situação de domínio parcial ou intermitente.

Em 2024, 14% da área urbanizada e 29,7% da população da região metropolitana viviam sob controle direto dos grupos armados. Outros 4,1% do território e 5,3% dos moradores estavam sob influência. O crescimento acumulado desde 2007 é de 98,4% em áreas controladas e 420,1% em áreas sob influência.

A série identifica dois grandes ciclos. A “grande expansão” entre 2016 e 2020 coincidiu com a falência fiscal do Estado, o desmonte das Unidade de Polícia Pacificadoras (UPPs) e a intervenção federal, quando a superfície dominada cresceu 31,6% (acréscimo de 105,36 km²).

A partir de 2020, o estudo registra “retração gradual”, puxada sobretudo pelo enfraquecimento das milícias depois de operações do Ministério Público (MP), disputas internas e perda de lideranças. O recuo, porém, é modesto: 7,1% de redução da superfície sob controle ou influência.

Estratégias de poder

O relatório também analisa duas estratégias distintas: a colonização, que é a ocupação de áreas ainda não dominadas, típica da expansão miliciana; e a conquista, caracterizada pela tomada violenta de territórios já controlados, dinâmica mais frequente entre facções.

Áreas de urbanização recente tendem a ser colonizadas. Regiões densas e consolidadas são locais de disputas.

“Essa é uma virada de chave na segurança pública do Rio. Durante quase duas décadas, a principal forma de os grupos armados crescerem foi a colonização. O Mapa mostra o aumento das disputas que resultam em ‘conquista’. O custo social dessa mudança de ‘colonizar’ para ‘conquistar’ é cobrado diretamente na rotina e na segurança de quem vive nessas áreas mais povoadas. A população passa a conviver com mais tiroteios, mais insegurança e mais medo”, diz a diretora executiva do Instituto Fogo Cruzado, Cecília Olliveira.

Em 2024, as milícias lideravam em extensão territorial, com 49,4% da área sob domínio armado (201 km²), enquanto a facção criminosa Comando Vermelho (CV) dominava mais pessoas: 1,607 milhão, equivalente a 47,2% da população sob controle.

O CV também mantém hegemonia no Leste Fluminense (98%) e avança na capital, sobretudo após conquistas sobre territórios antes controlados pela facção Amigos dos Amigos (ADA), como Rocinha e Vidigal. A Baixada Fluminense registra crescimento acelerado simultâneo de milícias, CV e Terceiro Comando Puro (TCP), tornando-se área de disputa intensa.

A capital sintetiza a “cidade partida”: 31,6% da área urbanizada e 42,4% dos moradores estão sob controle ou influência, com predominância miliciana na Zona Oeste — que concentra cerca de 65% do território urbanizado da cidade. A partir de 2020, porém, o estudo registra perda de território pelas milícias na região, abrindo caminho para CV, TCP e remanescentes do ADA.

Na Zona Norte, milícias e CV alternaram posições na hegemonia territorial, com leve vantagem do CV em termos populacionais. Nos últimos anos, o TCP ganhou força na região e a região é uma das mais disputados da cidade.

“Conseguimos identificar padrões muito mais precisos, definidos e robustos de atuação de cada grupo armado e em diferentes circunscrições geográficas. Isto significa que podemos levantar hipóteses melhores sobre a expansão de cada grupo, no tempo e no espaço, também de como isso foi feito em cada momento e em cada lugar”, diz Daniel Hirata, coordenador do GENI/UFF.

Confira as informações na reportagem do Repórter Brasil Tarde, da TV Brasil

Desigualdades

A desigualdade estrutural aparece como eixo do relatório. A renda média per capita em áreas controladas da região metropolitana é de R$ 1.121, contra R$ 1.658 nas áreas livres. A diferença é maior na capital: renda média de R$ 1.267 nas áreas controladas, contra R$ 3.521 nas áreas livres.

Na região metropolitana, a proporção de moradores não brancos (pretos, pardos e indígenas) chega a 69,1% nos territórios dominados, em comparação com 55,2% nas regiões não controladas. Na Zona Sul e no Centro da capital, contraste ainda maior: 68,3% de não brancos nas áreas sob domínio, contra 25,9% nas demais.

Políticas públicas

O Mapa 2025 sustenta que o domínio armado não é uma anomalia isolada, mas parte do modo de funcionamento e organização da metrópole. A estabilidade do CV e o poder econômico das milícias mostram que operações policiais têm alcance limitado quando não são acompanhadas de políticas contínuas de redução de desigualdades, regulação dos mercados urbanos e fortalecimento institucional.

Segundo os autores, enfrentar o problema exige mais do que ações emergenciais: requer políticas que ataquem simultaneamente renda, território, racismo estrutural, mercados urbanos e as próprias instituições encarregadas de garantir direitos — e que muitas vezes aprofundam, por omissão ou conivência, as desigualdades que sustentam o domínio armado.

* O conteúdo de cada comentário é de responsabilidade de quem realizá-lo. Nos reservamos ao direito de reprovar ou eliminar comentários em desacordo com o propósito do site ou que contenham palavras ofensivas.
500 caracteres restantes.
Comentar
Mostrar mais comentários