O dia 5 de outubro é uma data que merece a celebração de todos os brasileiros. Nesse dia é o aniversário da Constituição de 1988, que completa 37 anos de promulgação. Ela ficou conhecida como a ‘Constituição Cidadã’, sendo a sétima de nosso país, desde a independência de Portugal. O texto dividiu a nação em dois momentos distintos da nossa história, já que ela nasceu após duas décadas de ditadura militar, marcando o processo de redemocratização do Brasil.
A alcunha ‘Constituição Cidadã’ dada à Carta Magna de 1988 se deveu ao fato de que ela garantiu direitos fundamentais, deu espaço para a participação popular e reforçou o papel das instituições na defesa da democracia, da justiça social e da cidadania. Com ela, os brasileiros tiveram assegurados uma série de direitos como: a universalização da saúde por meio do Sistema Único de Saúde (SUS); a valorização da educação pública; a liberdade sindical; os direitos sociais dos trabalhadores, e a proteção de grupos historicamente vulneráveis.
Uma das características da Constituição de 1988 e que, podemos dizer, está no DNA dela, foi a de ter posto a voz da população no texto. Ela nasceu de todo um processo participativo e plural, sendo elaborada por uma Assembleia Nacional Constituinte formada por parlamentares eleitos. Contou também com a colaboração ativa da sociedade civil. Para isso, centenas de sugestões foram recebidas pelos constituintes e muitas foram incorporadas à Carta Magna. O objetivo era tornar o conjunto de leis mais próximo das necessidades dos brasileiros.
A Constituição de 1988 é a lei maior de nosso país. É por meio dela que se organizam os poderes; são protegidos os direitos individuais e coletivos e, mais importante, os valores do Estado Democrático de Direito, que englobam liberdade, igualdade, pluralidade e justiça social.
Reflexão
Ao completar 37 anos, a Constituição Brasileira chama a sociedade a refletir e garantir que manterá vivos os valores que nortearam a criação dela. Mas ela enfrenta dificuldades, com a polarização atual do país, alguns grupos pregam a relativização de pontos dela. Defender a democracia, o Estado de Direito e os direitos sociais são compromissos que devem ser, cada vez mais, reforçados por todos.
O advogado, mestre em direito eleitoral e professor universitário, Juacy dos Santos Loura Júnior avalia que a Constituição de 1988 foi um marco civilizatório da redemocratização do Brasil, trazendo uma ampliação inédita de direitos fundamentais e consolidando o Estado Democrático de Direito. Para ele, mesmo após quase quatro décadas, o texto continua sendo o alicerce da nossa democracia. Porém, sofre com o desgaste de ser extensa e detalhista demais, além de enfrentar dificuldades para acompanhar as rápidas transformações sociais e tecnológicas.
“Mas ela cumpre o papel dela, na medida em que garante liberdades (de opinião, de bens, de profissão, etc...) e serve de referência contra retrocessos autoritários. Mas ainda existe um abismo entre a letra da lei e a vida real do cidadão. Direitos sociais como saúde, educação, segurança e moradia continuam distantes da efetivação prática. Portanto, ela cumpre o papel de orientar, mas sua aplicação é incompleta e muitas vezes fragmentada e até utópica”, declarou.
Juacy alerta para o fato de a Constituição ter sido promulgada em sua totalidade, mas vários dispositivos dependiam de regulamentação infraconstitucional. Em muitos casos, observa, essa regulamentação demorou anos e, em outros, até hoje não aconteceu. Isso gera a chamada “constituição simbólica”: direitos existem no papel, mas não chegam à realidade.
“Essa omissão acaba transferindo ao Judiciário a tarefa de preencher lacunas que deveriam ser resolvidas pelo Legislativo. Essa omissão gera prejuízo social e, consequentemente, a hipertrofia do Judiciário sobre o Congresso Nacional”, afirmou.
Devido a isso, Juacy defende que a Carta Magna esteja necessitando ser revista. Ele declara que, de 1988 até os dias atuais, a sociedade mudou bastante: tem internet, ficou mais conectada e as necessidades do país e do mundo também já não são as mesmas da década de 80.
“A Constituição deve ser constantemente reinterpretada, mas também atualizada em pontos específicos. Não significa abandonar o espírito da Constituição Cidadã, mas ajustá-la aos novos tempos. Questões como tecnologia, inteligência artificial, proteção de dados, sustentabilidade e democracia digital pedem uma resposta constitucional mais moderna”, ressaltou.
Abrangente
Para o advogado e professor do curso de Direito da Universidade Federal de Rondônia (Unir), Vinicius Miguel Raduan, a Constituição de 1988 cumpre o papel dela em vários pontos, porém, devido a sua abrangência, nem sempre é possível cumprir os objetivos a que se propõem.
“Ela segue sendo o marco institucional da democracia brasileira. Do ponto de vista da Ciência Política, cumpriu o papel de estabilizar a competição política, criar freios e contrapesos e ampliar direitos. Mas também carrega um dilema: quanto mais extensa a Constituição, maior o risco de prometer mais do que as instituições conseguem entregar, criando uma distância entre norma e realidade”, avaliou.
Segundo o professor, apesar disso a Carta Magna vem cumprindo os objetivos dela em sua maior parte. Ele observou que um dos grandes trunfos do texto constitucional foi o de envolver a sociedade nos debates dos temas nacionais.
“Houve a consolidação do Estado Democrático de Direito, deu centralidade aos direitos sociais e criou canais de participação. Porém, sua eficácia é desigual: há direitos plenos no papel, mas ainda frágeis na prática, revelando uma 'cidadania regulada', seletiva e incompleta”, analisou.
Quanto às ameaças que a Constituição de 1988 enfrenta nos dias atuais, Vinicius Miguel disse não ver nenhuma vinda do exterior. Para ele, é mais fácil identificá-las dentro do Brasil, em diferentes formas. Contra isso, elogiou o papel do Supremo Tribunal Federal (STF)
“As ameaças vêm mais de dentro do que de fora: o populismo autoritário, a captura de instituições por interesses privados e a desinformação que fragiliza a confiança pública. Como alertam Levitsky e Ziblatt, a democracia não morre apenas por golpes abruptos, mas também por uma erosão lenta, que pode corroer garantias constitucionais. O STF tornou-se um ator político central. Às vezes acusado de ativismo, mas também atuando como barreira contra retrocessos democráticos. Em termos de Ciência Política, vemos a judicialização da política e a politização da Justiça, fenômeno típico das democracias contemporâneas”, concluiu.
Texto: Ivanlilson Frazão I Jornalista Secom ALE/RO