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Fux foi contraditório e seletivo nas provas do golpe, dizem juristas

Voto de 11 horas sobre trama golpista repercutiu no mundo jurídico

Redação
Por: Redação Fonte: Agência Brasil
11/09/2025 às 17h15
Fux foi contraditório e seletivo nas provas do golpe, dizem juristas
© Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil

O voto de quase 11 horas do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux, inocentando o ex-presidente Jair Bolsonaro , marcou o julgamento da trama golpista contra o resultado das eleições de 2022 e repercutiu no mundo jurídico.

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Para especialistas consultados pela Agência Brasil, Fux foi contraditório em relação às próprias decisões anteriores e seletivo na escolha das provas do processo usadas para fundamentar seu voto.

O professor de direito constitucional, advogado e escritor Pedro Estevam Serrano avaliou que o voto esteve “desconectado” dos autos e desconsiderou o conceito de “tentativa de golpe de Estado”.

“Com todo o respeito e admiração que Fux merece como grande jurista que é, a realidade é que, neste momento, ele foi extremamente contraditório. Foi um voto com baixo grau de fundamentação técnica e pleno de contradições. Não só contradições internas no próprio voto, mas contradições com outros votos dados em centenas de casos parecidos”, disse.

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Professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Serrano ponderou que um magistrado tem direito de mudar de posição, mas deve explicar os motivos para que o voto não seja um “ponto fora da curva”.

“A coerência é uma exigência do princípio da igualdade, que está na Constituição. Ele teria que explicar que mudou seu ponto de vista geral e aplicar isso para todos os julgamentos. Fica muito estranho e constrangedor ter um voto dessa natureza, com esse tipo de fundamentação, só para esses réus, e não para todos os outros que passam pelo juízo dele”, completou.

Entre as contradições apontadas está o fato de Fux ter reconhecido a competência do Supremo para julgar os manifestantes do 8 de janeiro, mas não a competência do STF para julgar os réus apontados como mandantes da tentativa de golpe , condenando os manifestantes, mas inocentando parte dos mandantes.

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Provas

O ministro Fux também teria tratado as provas do processo de forma seletiva, na avaliação do constitucionalista Oscar Vilhena Vieira, diretor da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas de São Paulo (FGV Direito SP).

“[Ele deixou] de lado fatos extremamente relevantes, que eram públicos, como manifestações desses envolvidos e documentos que demonstravam o pleno conhecimento do que estava sendo feito. Houve um tratamento que, a meu ver, foi bastante seletivo das provas. Isso gerou uma consequência, que foi a absolvição de grande parte dos réus”, comentou.

O professor Pedro Serrano, há 40 anos na vida jurídica, chegou a conclusão semelhante, destacando que o voto de Fux esteve desconectado das provas.

“Basta ler o relatório da Polícia Federal e ver as provas que foram anexadas ao processo. São abundantes e muito intensas, por isso que é muito difícil um técnico olhar tudo isso e dizer que não houve tentativa. Isso [voto do Fux] é um mero discurso, absolutamente desconectado dos fatos e das provas do processo”, acrescentou.

Tentativa de golpe

Para os juristas, o voto do ministro Luiz Fux, na prática, não reconheceu o crime de tentativa de golpe de Estado ao enfatizar que o crime não foi consumado. Para o ministro do STF, houve mera cogitação dos réus de anular as eleições presidenciais de 2022.

O professor Oscar Vilhena comentou que a análise de Fux causou “perplexidade” por ignorar que o crime de tentativa não necessita ser consumado .

“Há uma distorção do sentido da norma. Esses não são crimes que se consumam pela obtenção do seu resultado final, são crimes que se consumam pela tentativa. Isso me pareceu muito grave. Ele colocou como premissa que o crime só ocorreria se o Estado de Direito tivesse sido abolido. Não é isso que a legislação prevê”, ponderou Vilhena.

O constitucionalista Pedro Serrano destacou que a lei tenta se antecipar à conclusão do golpe porque, uma vez consumado, o crime não poderia mais ser punido.

“A lei quer capturar a conduta criminosa logo no início para evitar que ela aconteça. O sistema democrático não suporta o cometimento de um crime de golpe de Estado. Uma vez havendo esse crime, acabou a democracia”, avaliou.

Serrano lembra que Bolsonaro convocou os chefes das Forças Armadas para que eles dessem sustentação a um decreto que anularia a eleição.

“Não há como você ter uma tentativa de golpe mais clara. Ele só não conseguiu realizar o golpe porque dois dos chefes militares se negaram. Ou seja, por razão alheia à vontade dele. Se isso não for tentativa de golpe de Estado, o conceito, na prática, não existe”, disse Serrano.

Cid e Braga Netto

Outra contradição apontada foi em relação ao fato de Fux ter inocentado o ex-presidente Bolsonaro, mas ter condenado o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, o militar e delator Mauro Cid, e o general Braga Netto, candidato a vice-presidente.

O professor da FGV Direito de SP Oscar Vilhena destacou que há elementos nos autos que demonstram que Bolsonaro mantinha conversas com Cid e Braga Netto sobre as estratégias golpistas.

“Quando você não sabe quem é, você aponta o mordomo como responsável. Tanto Braga Netto quanto o Mauro Cid não poderiam ter cometido esse delito sem que eles estivessem alinhados com o presidente da República. É uma contradição que o ministro Fux criou na sua própria sentença”, avaliou.

Para Pedro Serrano, não há como explicar a diferença no tratamento dado ao ex-presidente e ao seu ex-ajudante de ordens.

“A única razão que eu posso encontrar é pelo fato de o Mauro Cid ter delatado outras pessoas, e isso ter criado uma situação subjetiva no ministro. Não posso entender outra razão. Não há razão técnico-jurídica que justifique isso”, destacou.

Crime por omissão

Outra interpretação do ministro Fux que chamou a atenção do professor Oscar Vilhena foi sobre a obrigação de a autoridade pública agir no dever “de garante”, que é quando o agente tem a obrigação de agir para evitar um crime, sob pena de cometer crime por omissão.

O professor Vilhena avalia que o voto do Fux retira esse dever de garante do presidente da República com consequências graves para a preservação da ordem democrática.

“O presidente da República tem a obrigação de defender a ordem constitucional. Há inúmeras provas de que o ajudante de ordens [Mauro Cid] trazia a ele todas aquelas informações, e ele nada fez”, lamentou o jurista da FGV Direito SP.

Para Vilhena, a interpretação de Fux é preocupante porque cria uma imunidade ao presidente, que não precisaria se preocupar com o respeito às leis.

“Se alguém desrespeitar a lei na frente dele, ele não precisa fazer nada. Parece-me que ele desarma um mecanismo fundamental do Estado de Direito de que toda autoridade tem que cumprir a lei e fazer cumprir a lei”, completou.

Os manifestantes

Outro ponto levantado pelos especialistas é em relação às condenações que Fux impôs aos manifestantes que depredaram as sedes dos poderes de República, no dia 8 de janeiro de 2023. Na sessão dessa quarta-feira (10), Fux não reconheceu que houve uma tentativa de golpe.

“Se ele está falando que não houve golpe porque não houve nenhum tipo de impedimento para o funcionamento do Supremo, como é que ele condenou os manifestantes de 8 de janeiro a esse crime? É evidente que há aí uma contradição bastante grande e vai levar, evidentemente, a todos esses condenados no 8 de janeiro a entrar com uma revisão criminal”, disse o professor constitucionalista Oscar Vilhena.

Foro privilegiado

O professor da PUC-SP Pedro Serrano destacou que uma das contradições mais gritantes foi em relação ao foro privilegiado. No julgamento, o ministro Fux defendeu que os réus do Núcleo 1 da trama golpista deveriam ser julgados na primeira instância e não no STF.

Serrano avalia que essa decisão cria uma “anarquia” no sistema de Justiça ao propor que um juiz de primeira instância julgue crimes cometidos contra o STF.

“O voto é estarrecedor porque estabelece uma anarquia no sistema de Justiça, onde você teria um crime cometido contra o STF sendo investigado por juiz de primeiro grau, que teria poderes sobre funcionários e ministros do STF. O nosso sistema constitucional prevê um sistema hierárquico, como qualquer democracia do mundo”, explicou.

O jurista Serrano lembrou que, contraditoriamente, Fux reconheceu a competência do STF para julgar os manifestantes que quebraram a Praça dos Três Poderes em 8 de janeiro.

“Foi uma imensa contradição porque para ele, para os bagrinhos [peixes pequenos] ou para os executores, o STF é competente para aplicar penas graves, mas para os mandantes, não”, criticou.

Ainda segundo o especialista, em outros 400 julgamentos de que Fux participou, ele teve entendimento diferente em relação à competência do STF para julgar pessoas.

“Ele foi pela constitucionalidade do regimento do STF que prevê tudo isso [em relação à competência do STF para julgar crimes contra o Supremo]. Inclusive a competência da Primeira Turma, que ele agora também foi contra e defendeu que devia ser no plenário. A competência da Primeira Turma é prevista no regimento e ele deu um voto declarando a constitucionalidade desse regimento”, justificou.

O professor Pedro Serrano ponderou ainda que o ministro poderia mudar de posição, mas deveria ter fundamentado essa mudança e declarado o regimento do STF inconstitucional. “Ele não fez isso”, pontuou.

O especialista explicou ainda que a atual jurisprudência do STF considera que, quando os crimes são imputados durante o exercício da função pública, como no caso de réu Jair Bolsonaro, o caso fica com a Supremo Corte.

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