Por Leo Bortolin
A aprovação da PEC 66/2023, a chamada PEC da Sustentabilidade Fiscal, é mais que um alívio momentâneo para as finanças municipais. Trata-se de uma conquista histórica que reconhece o peso das cidades no equilíbrio federativo, mas que só terá real impacto se for encarada como ponto de partida e não como linha de chegada. O parcelamento previdenciário em até 300 meses, o novo teto de 1% da Receita Corrente Líquida para dívidas, a troca da Selic por IPCA mais juros limitados e o escalonamento de precatórios são ferramentas poderosas. Mas de nada adianta aliviar a tesouraria se esse fôlego não se converter em metas claras de entrega de saúde, educação e infraestrutura à população que vive nos bairros, distritos e comunidades.
A verdadeira ousadia está em transformar previsibilidade fiscal em previsibilidade de serviços. Isso significa assumir um compromisso público: cada economia obtida com o refinanciamento das dívidas e com as novas regras de precatórios deve virar mais médicos atendendo no posto, mais transporte escolar rodando com segurança, mais ruas pavimentadas. É esse pacto que a sociedade espera. O discurso de que a PEC traz apenas alívio para prefeitos e prefeitas não se sustenta se não houver um contrapeso em resultados visíveis no dia a dia dos cidadãos.
A janela aberta até 1º de março de 2027 é determinante. Quem ajustar seus regimes próprios de previdência e aderir ao Programa de Regularidade Previdenciária não apenas ganha tempo para reorganizar suas contas, mas também destrava o acesso a transferências voluntárias, crédito e investimentos estratégicos. É uma oportunidade de ouro para colocar as prefeituras em situação de regularidade e confiança, reduzindo riscos jurídicos e fortalecendo a governança local.
No caso dos precatórios, a mudança de indexador e o limite de 1% a 5% da RCL permitem criar uma fila pública de pagamentos, com regras claras e algoritmos simples, priorizando casos alimentares e pequenos credores. Esse modelo, além de neutro e transparente, neutraliza a narrativa do calote, que tanto desgasta a imagem dos gestores, e traz segurança para credores e para a Justiça.
O municipalismo sempre defendeu autonomia acompanhada de responsabilidade. A PEC da Sustentabilidade Fiscal nos dá a chance de reescrever essa relação, com previsibilidade para planejar e espaço para inovar. Mas ela exige de prefeitos e prefeitas coragem para transformar o alívio fiscal em compromissos concretos de melhoria da qualidade de vida. É hora de olhar além dos números e enxergar nas planilhas um mapa de metas sociais, mensais e monitoráveis.
Se fizermos isso, a PEC 66/2023 será lembrada não apenas como um marco jurídico-financeiro, mas como o momento em que os municípios brasileiros assumiram o protagonismo da sustentabilidade não só das contas, mas também dos serviços. E aí, sim, poderemos comemorar uma vitória histórica para quem realmente importa: o cidadão.
Leo Bortolin é presidente da Associação Mato-Grossense dos Municípios (AMM) e ex-prefeito de Primavera do Leste