Primeira testemunha a depor à CPMI do INSS, a defensora pública Patrícia Bettin Chaves afirmou a senadores e deputados, nesta quinta-feira (28), que o primeiro caso de fraude de que se recorda ocorreu entre 2018 e 2019. As irregularidades, de acordo com ela, afetaram principalmente idosos de baixa renda e moradores de comunidades remotas.
Coordenadora de Assuntos de Previdência Social na Defensoria Pública da União (DPU), Patrícia Bettin explicou que havia um padrão nas fraudes. Entre as mais de 30 entidades (associações e sindicatos) autorizadas a descontar mensalidades associativas na folha, algumas falsificavam a autorização de milhares de aposentados e pensionistas que, sem saber, se tornavam associados a elas.
As associações fraudaram assinaturas ou autorizações por gravação telefônica — até com uso de inteligência artificial — segundo ela. Os termos de adesão eram então comunicados ao INSS, que fazia o desconto automático do benefício, em favor das associações.
— Os valores variavam em torno de R$ 30 a R$ 90. Normalmente, os serviços oferecidos são de assistência jurídica, planos odontológicos, academias. Acontece que os beneficiados não tinham conhecimento sequer dos serviços — disse Patrícia, com base em sua atuação na DPU.
A fraude estimada pela Polícia Federal foi de R$ 6,3 bilhões, valor referente ao período de 2019 até 2024. Os prejudicados demoravam, em média, de dois meses a um ano para perceber as fraudes, segundo a coordenadora.
Patrícia Bettin participa de um grupo criado pelo Ministério Público Federal e composto por diversos órgãos para atuar no combate às fraudes do INSS. Mas ela só passou a se dedicar permanentemente ao trabalho a partir de fevereiro de 2024, após os integrantes constataram o aumento dos descontos ilegais e intensificaram os esforços, afirmou.
O líder da oposição no Senado, senador Rogerio Marinho (PL-RN), disse que houve um aumento exponencial de fraudes no atual governo. Já o deputado Paulo Pimenta (PT-RS) afirmou que o aumento de irregularidades se refere ao grande número de acordos de cooperação técnica assinados entre associações e sindicatos com o INSS na gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro. O acordo é o que permitia o desconto automático de mensalidades.
Para a Paatrícia Bettin, a fraude ultrapassa governos, já existia há muito tempo e foi sendo aperfeiçoada com o tempo.
— Vários fatores contribuíram: a falta de transparência a falta de controle, a falta de exigência de biometria. A fraude ultrapassa governos, de direita ou esquerda — disse a defensora.
Patrícia Bettin defendeu a proibição do desconto automático de associações e sindicatos em benefícios previdenciários, como prevê um projeto do deputado Sidney Leite (PSD-AM), que tramita em regime de urgência na Câmara dos Deputados ( PL 1.846/2025 ). Outra alternativa para acabar com as fraudes, afirmou, seria exigir do INSS a revalidação anual dos termos de adesão.
— Havia uma determinação de que seria feita a revalidação desses descontos [pelo segurado do INSS] de forma anual. Mas a legislação foi alterada: prevê que não haveria mais a necessidade de ser revalidada a cada ano. Isso prejudicou em muito os segurados do INSS.
Os parlamentares discordaram sobre os impactos que duas medidas provisórias, assinadas pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, tiveram sobre a revalidação.
Segundo o deputado Maurício Marcon (Podemos-RS), a MP 871/2019 previa originalmente a revalidação anual, mas o Congresso ampliou a obrigatoriedade de revalidação a cada três anos, prazo que foi mantido na sanção da lei ( Lei 13.846, de 2019) .
Já o deputado Alencar Santana (PT-SP) citou outra medida provisória ( MP 1.107/2022 ), também do governo Bolsonaro, que levou ao fim da revalidação obrigatória ao ser transformada na Lei 14.438, de 2022 .
A revalidação de todos os descontos foi uma das recomendações do Tribunal de Contas da União (TCU) ao INSS em 2024, após auditoria sobre as deduções ilegais. O INSS recorreu da decisão alegando dificuldade para implementar a medida. Até então, a Instrução Normativa 162, de março de 2024, previa que apenas novos descontos exigiriam a autorização do segurado por meio de biometria e de reconhecimento facial.
Patrícia Bettin disse acreditar que o ex-ministro da Previdência Social Carlos Lupi, que ocupou o cargo de janeiro de 2023 a maio deste ano, tinha conhecimento das fraudes, já que o INSS tinha representante no grupo de trabalho criado pelo Ministério Público.
Segundo ela, o INSS deixou de adotar algumas recomendações do grupo e não respondeu a alguns comunicados. Por outro lado, o órgão acatou sugestões principalmente para melhorar a comunicação com os segurados, disse .
— Dentro do grupo, conseguimos melhorar os canais de comunicação. Conseguimos possibilitar que os assistidos pudessem fazer a exclusão dos pedidos de descontos ativos através dos canais do 135 [Central de Atendimento do INSS], porque muitos da população que nós atendemos não têm acesso aos meios digitais.
A senadora Damares Alves (Republicanos-DF) afirmou que conheceu casos de beneficiários com descontos de diversos empréstimos consignados diretamente do benefício.
— Eu soube de um assistido que tinha mais de dez descontos ativos. Foi recorrente esse tipo de situação?
Em resposta, a defensora pública afirmou que na maioria dos casos em que atuou havia tanto descontos associativos quanto créditos consignados. Ela explicou que cada beneficiado só pode ter um desconto por entidade, mas diversos créditos consignados. Segundo ela, não foi possível estabelecer um padrão "com clareza" sobre os consignados.
De acordo com o relator do colegiado, deputado Alfredo Gaspar (União-AL), a CPMI deve investigar fraudes semelhantes no crédito consignado. A modalidade permite que o beneficiário do INSS pegue empréstimo com juros mais baixos quando o pagamento das parcelas é automaticamente descontado do valor recebido da Previdência Social.
Patrícia explicou que as vítimas podem entrar em contato com o INSS pelo número 135 ou por alguma agência dos Correios para recuperar o dinheiro. As associações acusadas terão o direito de apresentar o documento que supostamente autorizou a associação do beneficiado. Se a vítima não reconhecer o documento, será ressarcida.
Ela apontou que a DPU conduziu acordo no Supremo Tribunal Federal para que os prejudicados possam receber rapidamente o dinheiro de volta. No entanto, quem aderir ao acordo não terá direito a indenização por dano moral e nem poderá entrar com processo judicial sobre o assunto. Quem rejeitar o acordo ainda pode receber o dinheiro de volta e a indenização extra após ação na Justiça, mas com risco de maior demora.
A senadora Leila Barros (PDT-DF) afirmou que o caminho mais justo seria o ressarcimento imediato dos aposentados lesados, enquanto o Estado busca recuperar o dinheiro roubado. Ela criticou as objeções ao uso de dinheiro emergencial para os aposentados.
— Esse dinheiro, que é público, ajuda inúmeras situações aqui dentro do nosso país, como situações fiscais, socorro aos estados na parte fiscal, urgências climáticas. O discurso é bonito quando a gente vai defender inúmeros setores, mas para os aposentados é “o dinheiro do contribuinte que nós estamos pegando para ajudar”. Olha a contradição que nós temos nesta Casa.
Em julho, o governo federal editou medida provisória que abriu crédito extraordinário ao Orçamento da União no valor de R$ 3,3 bilhões para ressarcir os prejudicados ( MP 1.306/2025 ).
Outra parte da reunião desta quinta-feira foi secreta. Os parlamentares ouviram o delegado da Polícia Federal Bruno Oliveira Pereira Bergamaschi, responsável pela Operação Sem Desconto, que investiga o esquema. A reunião foi conduzida pelo presidente da CPMI, senador Carlos Viana (Podemos-MG).