Por Aberson Carvalho*
Quando a ministra e acreana Marina Silva afirma que organizar uma conferência climática na Amazônia é um desafio logístico imenso, ela fala com conhecimento de causa. Quem vive e trabalha aqui sabe que cada deslocamento é uma operação complexa, dependente de rios, varadouros e dos ciclos de cheia e seca. Agora, imagine transportar não apenas pessoas e equipamentos para um evento, mas garantir que, todos os dias do ano letivo, professores, merenda, material didático e até carteiras escolares cheguem a centenas de comunidades espalhadas por uma floresta do tamanho de países inteiros. Essa é a rotina diária de quem faz educação na Amazônia.
No Acre, essa realidade se traduz em 394 anexos escolares, muitos funcionando na varanda de uma casa, na associação comunitária ou em um espaço adaptado. Em alguns casos, são apenas cinco ou dez alunos, mas a decisão de manter a escola ali não é uma questão de custo. É uma escolha política pela permanência e dignidade dessas comunidades. Para chegar até elas, já percorremos trajetos que envolvem barcos, igarapés, trilhas de lama e dias inteiros de viagem. E, mesmo assim, seguimos firmes, porque acreditamos que o direito à educação precisa atravessar qualquer distância.
Enquanto uma COP exige meses de preparação e um esforço concentrado para receber delegações por alguns dias, a educação na Amazônia exige que essa mesma energia logística se renove diariamente. É lidar com a imprevisibilidade do clima, com escolas que só funcionam no verão porque o acesso depende de igarapés secos ou, ao contrário, no inverno, quando a cheia dos rios permite a navegação. É garantir transporte escolar fluvial, alimentação adequada e professores preparados para ensinar em realidades que vão muito além do quadro e do giz.
Se para sediar uma COP na Amazônia há um grande desafio logístico, manter a educação cotidiana exige o enfrentamento de barreiras ainda maiores, especialmente no financiamento. No Acre, 224 das 616 escolas têm até 50 alunos, muitas em áreas isoladas e funcionando como anexos, com turmas multisseriadas. São 394 anexos, quase todos com menos de 20 alunos, atendendo cerca de 3 mil estudantes. Esse formato eleva muito o custo por aluno, e o modelo atual de repasse, baseado em médias nacionais, não cobre o chamado “custo Amazônia”. A folha de pagamento consome cerca de 120% do Fundeb, exigindo mais de R$ 300 milhões extras do tesouro estadual para fechar uma folha de R$ 1,58 bilhão. É urgente um financiamento diferenciado que reconheça essas realidades e garanta justiça orçamentária para a educação na região.
O mundo inteiro estará olhando para a COP. Na educação amazônica, nosso esforço se dá longe dos holofotes, mas com impacto direto na vida de milhares de crianças. E se o mundo reconhece que fazer um evento na floresta exige planejamento, recursos diferenciados e respeito à realidade local, deveria reconhecer com a mesma intensidade que educar aqui também precisa dessas condições. Não para um encontro pontual, mas para o futuro de uma geração.
*Aberson Carvalho é sociólogo, secretário de Estado de Educação e Cultura do Acre, gestor público com trajetória em segurança, meio ambiente e políticas sociais
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