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Do barco à plenária: desafios e percepções no processo de atualização da repartição de benefícios do Programa de REDD+ Jurisdicionado Acre

Por Jaksilande Araújo e Andreia Reis* O governo do Estado do Acre, por meio do Instituto de Mudanças Climáticas e Regulação de Serviços Ambientais...

Redação
Por: Redação Fonte: Secom Acre
10/08/2025 às 09h10
Do barco à plenária: desafios e percepções no processo de atualização da repartição de benefícios do Programa de REDD+ Jurisdicionado Acre
Foto: Reprodução/Secom Acre

Por Jaksilande Araújo e Andreia Reis*

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O governo do Estado do Acre, por meio do Instituto de Mudanças Climáticas e Regulação de Serviços Ambientais (IMC), segue avançando, de forma estratégica, para obtenção do selo internacional de excelência para programas de REDD+: Padrão ART TREES (Architecture for REDD+ Transactions – The REDD+ Environmental Excellence Standard), o que abre oportunidades no mercado global para comercialização de créditos de carbono de alta integridade.

Mais do que cumprir um conjunto rigoroso de critérios técnicos, metodológicos e socioambientais para obter a certificação, o governo do Acre acredita que é possível, por meio da conservação da floresta gerar benefícios para o clima e para quem vive na floresta e, como parte desses recursos oriundos da Redução de Emissões de Gases de efeito Estufa por Desmatamento e Degradação (REDD+) vai diretamente para as comunidades envolvidas: povos indígenas, ribeirinhos, extrativistas e agricultores familiares, lideramos um processo histórico com a realização das consultas para atualização da estratégia de repartição de benefícios do Programa ISA Carbono, o REDD+ Jurisdicional do Acre, do Sistema de Incentivo a Serviços Ambientais (Sisa).

A metodologia das consultas, nas cinco regionais do Acre: Juruá, Purus, Baixo Acre, Alto Acre e Tarauacá/Envira, liderada pelo IMC, de abril a junho de 2025, garantiu a escuta junto às comunidades tradicionais e povos indígenas, a fim de assegurar que os benefícios financeiros, sociais e ambientais sejam distribuídos de forma justa com respeito aos saberes e culturas tradicionais, equidade de gênero e no enfrentamento e adaptação aos impactos das mudanças climáticas e observando o cumprimento das salvaguardas socioambientais.

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Essas consultas tiveram como objetivo central apresentar aos povos da floresta a proposta de atualização de repartição de benefícios elaborada pelo governo do Estado, fundamentada em um estudo técnico desenvolvido em parceria com o Earth Innovation Institute (EII) e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), além de promover um diálogo estruturado sobre aspectos técnicos e sociais relacionados ao processo.

As consultas contaram ainda com oficinas de formação, a fim de proporcionar aos participantes informações qualificadas sobre o REDD+, o funcionamento do Sisa e os objetivos do Programa ISA Carbono e temas como mudanças climáticas, mercado de crédito de carbono e repartição de benefícios.

Os encontros também configuraram como espaços participativos de diálogo, nos quais as comunidades puderam expor suas necessidades, demandas e desafios, e deixarem contribuições valiosas para adoção de práticas produtivas sustentáveis e a manutenção da floresta em pé.

Esses momentos de escuta e construção coletiva buscaram ainda identificar caminhos para reduzir o desmatamento e a degradação florestal, contribuindo tanto para a diminuição das emissões de gases de efeito estufa, quanto para o enfrentamento e adaptação aos impactos das mudanças climáticas.

Concluída as etapas das consultas regionais, o IMC promoveu o Fórum Participativo, que reuniu aproximadamente 150 delegados e delegadas eleitos (as) nas cinco regionais, responsáveis por representar suas comunidades tradicionais e povos indígenas e consolidar os encaminhamentos debatidos. No encontro, os delegados formaram grupos de trabalhos onde ampliaram o debate e, foi pactuado em plenária, a nova repartição de benefícios do Programa ISA Carbono do SISA, para futuras captações de recursos provenientes de REDD+, que resultou na seguinte divisão: 72/28, sendo que ao governo do Estado coube 28% dos recursos futuros; Povos Indígenas (22%); Agricultores Familiares (24%); Extrativistas (26%).

Novos desafios técnicos

Com essa etapa concluída, o IMC segue empenhado nos próximos passos: a elaboração dos documentos do Termo de Registro de Dados (TRD) e Relatório de Monitoramento (TMR), essenciais para atender integralmente às exigências do Padrão ART TREES. A finalização desse processo é condição indispensável para habilitar o Estado do Acre a acessar fundos climáticos internacionaisvoltados a apoiar iniciativas para conservação ambiental, valorização dos serviços ecossistêmicos e manutenção da floresta em pé.

Desafios logísticos e a garantia de salvaguardas

A execução das consultas apresentou desafios logísticos significativos, demandando um planejamento estratégico robusto para assegurar a participação efetiva do público-alvo. A presença ativa de povos indígenas, extrativistas, agricultores familiares, mulheres e jovens não apenas enriqueceu o debate, mas também representou o cumprimento de salvaguardas socioambientais previstas em acordos e padrões internacionais, como aqueles exigidos pelo Padrão ART TREES. Essas salvaguardas têm como objetivo garantir que as ações de mitigação climática respeitem e promovam os direitos humanos, a equidade social e a valorização cultural, assegurando que grupos historicamente vulnerabilizados sejam ouvidos, considerados e beneficiados nos processos decisórios e nos resultados obtidos.

No contexto das consultas realizadas, muitas comunidades indígenas precisaram enfrentar trajetos de até três dias de viagem de barco até o município mais próximo. Em outros casos, o deslocamento envolveu oito horas de navegação pelos rios, seguidas de mais de três horas de transporte terrestre até o local do evento. Situação semelhante foi vivenciada por comunidades tradicionais e agricultores familiares, que também percorreram longas distâncias para chegar ao evento. Esse esforço logístico visou assegurar que todos os segmentos sociais prioritários, conforme estabelecem as salvaguardas, pudessem participar ativamente e de forma informada.

Além dos desafios de deslocamento, houve também dificuldades significativas na comunicação prévia com representantes de determinados territórios indígenas. Em muitas áreas, o acesso à internet é inexistente ou extremamente limitado, e a comunicação via telefone móvel é inexistente. Essa limitação tecnológica e de infraestrutura torna a articulação logística complexa, exigindo a utilização de múltiplas estratégias, como recados via intermediários locais e deslocamentos antecipados de equipes, para garantir que os convites e informações chegassem às lideranças e comunidades.

Há territórios indígenas no Acre que estão situados em regiões remotas e de difícil acesso, onde a circulação de pessoas e bens é restrita e a conexão com a cidade mais próxima é praticamente inexistente, configurando situações de isolamento geográfico como, por exemplo, o território indígena conhecido como Kampa dos Isolados. Nesses casos, o deslocamento para participação nas oficinas representou não apenas um esforço logístico considerável, mas também um compromisso significativo das comunidades em se engajar nos processos decisórios sobre a repartição de benefícios e a conservação ambiental.

Barreira linguística

Outro aspecto relevante foi a barreira linguística. Embora a maioria dos representantes indígenas falem português, há povos cuja língua materna é indígena, a exemplo dos desafios enfrentados na edição extra das consultas realizada em Jordão que contou com a tradução simultânea da língua portuguesa para a língua Hatxa kui, o que garantiu o pleno engajamento dos Kaxinawa Huni Kui, de modo que todos pudessem conhecer os conceitos técnicos e as propostas apresentadas ampliando a compreensão sobre o processo. Essa medida é fundamental para respeitar as salvaguardas socioambientais, que asseguram o direito à informação acessível e culturalmente adequada para todos os grupos envolvidos.

Equidade de gênero

Outro aspecto de destaque foi a participação expressiva das mulheres de todas as categorias representadas. Muitas se deslocaram acompanhadas de filhos pequenos, devido à impossibilidade de deixá-los em casa, e assumiram o compromisso de contribuir de forma efetiva para os debates ambientais, mesmo diante de responsabilidades domésticas e familiares. Ciente desses desafios, o IMC preparou salas para acolhimento dessas mães e preparou uma equipe para dar suporte no cuidado e recreação das crianças. A inclusão de mulheres e jovens nas discussões reforça outro princípio fundamental das salvaguardas socioambientais: a promoção da equidade de gênero e da participação intergeracional, reconhecendo a importância desses grupos na construção de soluções sustentáveis e culturalmente adequadas para a conservação ambiental.

Todo o processo foi planejado, conduzido e monitorado pela equipe técnica do IMC, responsável por coordenar as ações do governo do Estado do Acre. Desde a saída de suas comunidades até a chegada ao local das atividades, os representantes dos povos indígenas, povos e comunidades tradicionais receberam acompanhamento direto da equipe do IMC, garantindo segurança, orientação e apoio contínuo durante todo o deslocamento.

Para viabilizar a participação efetiva desses segmentos prioritários, foram assegurados apoio financeiro e logístico integral, incluindo transporte, alimentação e hospedagem, de forma a remover barreiras que poderiam comprometer a presença e a contribuição desses grupos nos espaços de diálogo.É igualmente imprescindível destacar o papel estratégico dos parceiros locais:

Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Sema), Secretária dos Povos Indígenas (Sepi), Secretaria de Estado de Planejamento (Seplan), por meio do Programa REM, da Secretaria de Estado da Fazenda (Sefaz) e a parceria dos organismos internacionais: Agência Norueguesa de Cooperação para o Desenvolvimento (Norad), Embaixada da Noruega e Reino Unido, Programa das Nações Unidas para o Clima e Meio Ambiente (Pnud), Earth Innovation Institute (EII), Environmental Defense Fund – EDF (Fundo de Defesa Ambiental), Cooperação Alemã GIZ e Fundação Kawari, cujo suporte técnico e financeiro foi fundamental para a execução das atividades e para a conformidade de todo o processo com as exigências do Padrão ART TREES.

Essa rede de cooperação não apenas viabilizou a logística e a organização das consultas, mas também reforçou o compromisso do Estado do Acre com a transparência e a participação social qualificada, elementos essenciais para o êxito do processo.

*Jaksilande Araújo preside o Instituto de Mudanças Climáticas e Regulação de Serviços Ambientais do Acre (IMC), órgão responsável pela coordenação técnica do Sisa e condução do processo de atualização da repartição de benefícios dos REDD+ Jurisdicional do Estado do Acre, no âmbito do Programa ISA Carbono do Sisa. Com mais de 25 anos de serviços prestado ao governo do Estado do Acre, atuou nas áreas administrativa, orçamentária e financeira, educação profissional, infraestrutura, segurança e meio ambiente.

Andréia Reis é engenheira florestal e chefe do Departamento de Monitoramento no IMC, setor responsável por monitorar ações nas áreas de interesse do Sisa e pelo cumprimento das salvaguardas socioambientais. Também atua como secretaria executiva do sistema de governança do Sisa, colaborando como facilitadora para o bom funcionamento da Comissão Estadual de Validação e Acompanhamento (CEVA) e suas Câmaras Temáticas Indígena e de Mulheres (CTI e CTM) e coordenou o planejamento e logística do processo das consultas.

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