O historiador israelense antissionista Ilan Pappe defendeu o uso de "linguagem correta" para definir o que acontece na Faixa de Gaza atualmente: genocídio, colonização, limpeza étnica e apartheid. A declaração foi feita, nesta quarta-feira (6), no evento Da Limpeza Étnica ao Genocídio na Palestina , realizado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).
“Chamar os atos praticados pelo estado de Israel desde outubro de 2023 como genocídio é uma contribuição importante para que a gente enderece o assunto, usando a linguagem correta, não apenas sobre o que aconteceu nos últimos dois anos, mas o que aconteceu nos últimos 140 anos.”
Pappe é professor na Universidade de Exeter, na Inglaterra. Mídia, instituições políticas, acadêmicos e lideranças, segundo ele, têm utilizado uma linguagem equivocada sobre os acontecimentos na Palestina, o que perpetua uma série de mitos que atendem ao projeto sionista e que levam à situação atual, em que há uma ofensiva de Israel contra Gaza. Essa narrativa foi desenvolvida e praticada, alertou o professor, para justificar o que é feito contra a população palestina e dar imunidade ao estado israelense.
O historiador criticou a forma como a história da Palestina é contada em diversas universidades, especialmente no Hemisfério Norte.
“Quase não há universidade no Norte Global que ensine sionismo como um projeto de colonização e as resistências como um movimento anticolonial.”
“Fica claro que Israel é considerado pela Europa como parte dela. Nesse contexto, há muito pouca esperança de que o Norte Global tome alguma ação para coibir a ação de Israel sobre o povo palestino”, avaliou. Pappe aponta que Israel é resultado de uma solução europeia para o antissemitismo europeu, o que aconteceu às custas da população árabe e palestina.
Para combater esse cenário, ele defende que o tema seja alvo de estudos.
“Limpeza étnica é mais do que uma política, é uma ideologia. E, se a gente não estudar, não analisar a conexão entre a ideologia sionista e o genocídio, a gente nunca vai conseguir impedir as ações do estado israelense contra a população palestina.”
O historiador relata que, inicialmente, o projeto sionista foi chamado de movimento de retorno e de redenção, e não o que era na prática: um projeto de colonização. “Continuaram chamando os palestinos de nômades, como se fosse uma população que não se importaria em seguir o caminho por outras terras, em vez de chamá-los corretamente como vítimas de uma limpeza étnica e vítimas do projeto sionista de colonizar o estado palestino”, disse Pappe.
“A gente tinha esperança de que as cenas [divulgadas] de Gaza, que o horror [divulgado], que cenas tão explícitas, seriam suficientes para mudar a linguagem de como é tratada essa dinâmica, esses atos criminosos.”
Pelo contrário, segundo o historiador, acadêmicos que ousaram dar nome ao extermínio da população palestina sofreu ameaças, além de ser rotulado como apoiadores do terrorismo.
Pappe ressalta, no entanto, que a sociedade civil e alguns acadêmicos de poucos países têm trazido uma nova compreensão sobre a situação. “Me dá muita esperança e encorajamento que, em uma universidade de São Paulo, nós podemos usar a linguagem correta para nos referir à Palestina. Mas não devemos tomar isso como dado, devemos lembrar que isso pode ruir. Eu falo em universidades ao redor do mundo inteiro e eu sei quão precioso isso é.”
O evento reuniu ainda vozes ativas em defesa da Palestina, representantes de diversas instituições renomadas, que denunciaram uma colonização sionista, limpeza étnica, apartheid, ocupação militar e o atual genocídio na Faixa de Gaza.
Entre os participantes, estavam Arlene Clemesha (diretora do CEPal-FFLCH/USP), Francisco Rezek (ex-ministro do STF), Paulo Casella (professor e membro do Fórum Permanente sobre Genocídios e Crimes contra a Humanidade da USP), Paulo Sérgio Pinheiro (professor e ex-Ministro da Secretaria de Estado de Direitos Humanos), Soraya Misleh (dirigente da Frente Palestina São Paulo), Júlia Wong (presidenta do Centro Acadêmico XI de Agosto) e Maira Pinheiro (advogada).