O presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou, nesta terça-feira (5), que não pretende ligar para o presidente dos Estados Unidos (EUA), Donald Trump, para tratar das tarifas impostas aos produtos brasileiros exportados àquele país, mas que vai convidá-lo para participar da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), marcada para novembro, em Belém .
“Eu não vou ligar para o Trump para conversar nada porque ele não quer falar. Mas eu vou ligar para o Trump para convidar para a COP30 para saber o que ele pensa da questão climática”, disse Lula durante a abertura da 5ª Reunião Plenária do Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável (CDESS), o Conselhão , no Palácio Itamaraty, em Brasília.
No último dia 9 de julho, o presidente dos Estados Unidos enviou uma carta a Lula anunciando a imposição da tarifa de 50% sobre todos os produtos brasileiros a partir do dia 1º de agosto. Já em 30 de julho, Trump assinou uma ordem executiva determinando a taxação, mas excluindo quase 700 produtos da lista , que entra em vigor amanhã (6).
Entre outras razões, o governo norte-americano cita o que chama de práticas comerciais “injustas” do Brasil na utilização do sistema de pagamentos instantâneo, o Pix . Lula rebateu os argumentos afirmando que o Pix é um patrimônio nacional e referência internacional de infraestrutura pública digital. “Não podemos ser penalizados por desenvolver um sistema gratuito e eficiente”, disse.
“Gostaria que o presidente Trump fizesse uma experiência com o Pix nos Estados Unidos. Poderia levar o Pix para ele pagar uma conta, para ver que é uma coisa moderna”, brincou. “E qual a preocupação deles? Se o Pix tomar conta do mundo, os cartões de crédito irão desaparecer. É isso que esta por trás dessa loucura contra o Brasil”, argumentou Lula sobre a influências das grandes empresas no tarifaço .
O ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, informou que governo federal apresentará uma resposta aos Estados Unidos sobre o Pix no próximo dia 18 de agosto.
Em seu discurso no Conselhão, o presidente brasileiro ainda reafirmou sua disposição ao diálogo e à negociação, mas disse que é preciso do apoio dos empresários . Ele lembrou o seu ex-vice-presidente, o industrial José Alencar, e contou a história de como ele era um empresário nacionalista, que defendia os interesses do país.
“Você não tem mais aqueles empresários nacionalistas como você tinha nos anos 70, nos anos 80, nos anos 60. Você não tem. Hoje você tem mais mercantilista do que nacionalista. Então, defender o Brasil de hoje ficou muito mais complicado porque tem gente que acha que a gente é vira-lata, tem gente que não gosta de se respeitar”, destacou, defendendo a soberania do país nos temas internos.
Lula reafirmou que os interesses político-eleitorais não podem contaminar as relações institucionais. Ele fez referência ao deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que, em março, se licenciou do mandato na Câmara, foi para os Estados Unidos e articula ações junto ao governo estadunidense contra a Justiça e a economia brasileiras na tentativa de livrar seu pai, o ex-presidente Jair Bolsonaro, do julgamento por tentativa de golpe de Estado. Eduardo Bolsonaro é investigado no Supremo Tribunal Federal (STF) em razão dessa atuação.
“O dia 30 de julho de 2025 passará para história das relações entre Brasil e Estados Unidos como um marco lastimável, de uma ação arbitrária como essa que sofremos. Nossa democracia está sendo questionada, nossa soberania está sendo atacada, nossa economia está sendo agredida. Este é um desafio que nos não pedimos e que não desejamos. [Em] nenhum tarifaço aplicado a outros países houve tentativa de ingerência dos poderes do país”, disse.
Segundo Lula, o governo vai atuar para que os trabalhadores e as empresas não sejam punidos, colocando em execução um plano de contingência para mitigar os efeitos da aplicação das tarifas e aliviar seus prejuízos econômicos e sociais . O presidente prometeu ainda recorrer a todas as medidas cabíveis na Organização Mundial do Comércio (OMC).
Por fim, o brasileiro defendeu a política de comércio exterior do Brasil , com a abertura de novos mercados pelo mundo, e voltou a prometer que vai assinar o acordo entre Mercosul e União Europeia (UE) ainda este ano . Neste semestre, o Brasil está na presidência do bloco de países sul-americanos.
“E que não venha, agora, a União Europeia engrossar conosco porque, depois do acordo que eles fizeram com os Estados Unidos, assinar conosco é uma glória porque tem respeito e cidadania nas propostas que nós fizemos”, destacou Lula.
Em meio ao tarifaço, Trump fechou acordos favoráveis aos EUA para evitar retaliação. Para a União Europeia, os EUA elevaram as tarifas de importações dos países europeus para 15% na maioria dos produtos – percentual inferior aos 30% inicialmente anunciados por Trump. Em contrapartida, a Europa não aplicará o princípio da reciprocidade. Ao contrário, deve zerar tarifas para produtos estadunidenses.
Além disso, a UE se comprometeu a investir US$ 600 bilhões nos Estados Unidos, incluindo compra de equipamentos militares, e a comprar energia do país no montante de US$ 750 bilhões. Nenhum recurso dos EUA para União Europeia foi anunciado. “Parceria sólida se constrói em base em benefícios mútuos”, reforçou Lula.
Representando a Associação Brasileira dos Produtores e Exportadores de Frutas e Derivados (Abrafrutas), Priscila Nasrallah afirmou que os mercados internacionais são fundamentais para o crescimento e a continuidade da fruticultura no país. Ela pediu que o governo “olhe com carinho” para o setor rural, especialmente os pequenos produtores.
“A fruta perecível, ela perde no pé, elas estão lá para ser colhidas. Se for possível, postergar a entrada em vigor das tarifas, para que a gente possa trabalhar”, disse, ao lembrar que o Brasil é o terceiro maior produtor de frutas do mundo.
“A gente não pode esquecer do produtor, o pequeno produtor que se organizou para exportar, que fez a compra de embalagem com benefício do drawback , do pequeno exportador que se expôs ao câmbio para antecipar dinheiro para produção ao financiamento rural que precisará de prazo, proteção e respaldo financeiro diante do impacto que a gente vai sofrer”, acrescentou a produtora.
Segundo Priscila, os Estados Unidos são um destino-chave para frutas como manga, uva, melão, melancia, mamão, papaia e frutas processadas. Somente em 2024, foram exportadas 77 mil toneladas desses produtos para o país.
O presidente do Fórum das Centrais Sindicais, Clemente Ganz, manifestou a preocupação com a manutenção dos empregos nos setores afetados . As entidades de trabalhadores enviaram documento ao governo com sugestões de medidas, destacando a oportunidade para “avançar na transição justa e inclusiva, numa nova estratégia comercial”.
“Fundamentalmente, nós consideramos essencial que tenhamos nessa trajetória de lutas um investimento no diálogo social, fortalecendo os entendimentos entre trabalhadores, empresários e governo em torno de quatro grandes políticas: inovação, investimento, emprego e incremento de produtividade”, disse.
Segundo ele, uma das tarefas fundamentais do movimento sindical é mobilizar a sociedade e, nesse sentido, as entidades estão tomando iniciativas de articulação internacional com o movimento sindical dos Estados Unidos, do Canadá, da União Europeia e do México, para tratar da questão das tarifas a partir da perspectiva do emprego. O fórum ainda articula a participação das centrais sindicais junto com a Central Sindical Internacional na OMC.