Por Jaksilande Araújo *
Com a força do diálogo e o protagonismo dos povos da floresta, o governo do Estado do Acre concluiu, em julho de 2025, um dos processos participativos mais importantes de sua política ambiental nos últimos anos: a redefinição dos percentuais de repartição de benefícios do Programa ISA Carbono, o REDD+ Jurisdicional, do Sistema de Incentivo a Serviços Ambientais (Sisa). A iniciativa marca mais um passo decisivo rumo à excelência socioambiental e reafirma o pioneirismo do Acre na implementação de REDD+ Jurisdicional desde 2012.
Coordenado pelo Instituto de Mudanças Climáticas e Regulação de Serviços Ambientais (IMC), o processo envolveu um intenso ciclo de consultas nas cinco regionais do estado – Baixo Acre, Alto Acre, Purus, Tarauacá-Envira e Juruá – mobilizando extrativistas, agricultores familiares, ribeirinhos e povos indígenas. Cada etapa respeitou as especificidades culturais, territoriais e logísticas das regiões, promovendo um verdadeiro pacto coletivo pela justiça ambiental e climática.
Iniciado a partir de uma recomendação dos próprios membros da governança do Sisa, em dezembro de 2024, o processo foi estruturado com rigor técnico e sensibilidade social. Oficinas de capacitação, pré-consultas em aldeias indígenas de difícil acesso, rodas de conversa e debates temáticos garantiram a escuta ativa e representativa das comunidades. Em cada encontro, foram eleitos democraticamente delegados e delegadas que levaram ao Fórum Participativo final as vozes de quem vive na floresta e cuida dela todos os dias.
As particularidades de cada regional foram levadas em conta. No Baixo Acre, por exemplo, o diálogo se concentrou em territórios de alta pressão urbana e uso misto da terra, o que exigiu discussões específicas sobre segurança fundiária e fortalecimento de políticas de comando e controle. No Alto Acre, a proximidade com a fronteira trouxe à tona debates sobre a pressão do desmatamento transfronteiriço e a necessidade de fortalecer ações comunitárias binacionais.
Já na regional Purus, onde ribeirinhos e extrativistas mantêm um modo de vida baseado na coleta sustentável e na pesca, a principal demanda foi a valorização dos saberes tradicionais e o apoio a cadeias produtivas da sociobiodiversidade. Em Tarauacá-Envira, o acesso remoto e as longas distâncias exigiram logística diferenciada para garantir a presença indígena. Com uma edição extra em Jordão, a escuta contou com tradução simultânea da língua portuguesa para a língua Hatxa Kui, o que garantiu o engajamento dos Kaxinawa Huni Kui. Já na regional do Juruá, o foco recaiu sobre o fortalecimento da gestão territorial indígena e o enfrentamento às mudanças climáticas já perceptíveis na dinâmica dos rios e da floresta. Importante lembrar a rica contribuição das mulheres extrativistas, ribeirinhas e indígenas eleitas delegadas, o que garantiu a representatividade feminina das comunidades de todo o Acre.
Consolidando o processo, o Fórum Participativo realizado nos dias 12 e 13 de julho, em Rio Branco, reuniu mais de 150 delegados e delegadas eleitos nas etapas regionais. Em plenária, eles debateram propostas, defenderam interesses coletivos e pactuaram os novos percentuais para a repartição de benefícios dos recursos que serão captados em futuras vendas de créditos de carbono no âmbito do REDD+ Jurisdicional.
O novo modelo de repartição ficou definido da seguinte forma:
Esse resultado é fruto de um processo coletivo, construído com escuta e respeito aos modos de vida dos povos da floresta, porque acreditamos que é a partir do fortalecimento das instâncias de governança, da consolidação dos mecanismos transparentes de repartição de benefícios, que o Acre amplia sua credibilidade junto aos financiadores climáticos e abre caminho para novas captações internacionais de recursos, reforçando seu compromisso com o desenvolvimento sustentável da Amazônia.
Para além da atualização dos percentuais, o processo das consultas ampliou a transparência e legitimidade do sistema acreano de incentivo a serviços ambientais perante financiadores internacionais. A nova configuração está alinhada com as recomendações de boas práticas e salvaguardas socioambientais da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCC, em inglês, United Nations Framework Convention on Climate Change), que prevê um conjunto de diretrizes para garantir que iniciativas em REDD+ não causem impactos negativos ao meio ambiente e aos povos indígenas e comunidades tradicionais
Essas medidas, definidas para assegurar que as iniciativas de REDD+ promovam a conservação da biodiversidade, respeitem os direitos e conhecimentos de comunidades locais e povos indígenas e busquem a repartição justa dos benefícios, foram minuciosamente observadas ao longo de todo o processo conduzido pelo governo do Estado, por meio do IMC, com a valiosa contribuição dos membros da governança, num processo de muito diálogo, respeito aos direitos e ao conhecimento tradicional de homens, mulheres e jovens ribeirinhos, extrativistas, agricultores e indígenas.
Esse reconhecimento é essencial para garantir que os benefícios do REDD+ Jurisdicional cheguem efetivamente às comunidades que protegem a floresta em pé, gerando impacto real na melhoria da qualidade de vida, autonomia produtiva, fortalecimento territorial e adaptação às mudanças climáticas.
Ao fortalecer a participação social e consolidar mecanismos transparentes de repartição de benefícios, o Acre amplia sua credibilidade junto aos financiadores climáticos e abre caminho para novas captações internacionais de recursos, reforçando seu compromisso com o desenvolvimento sustentável da Amazônia.
A atualização da repartição corrige distorções, moderniza o sistema e amplia a credibilidade do Acre no cenário global de financiamento climático. Por mais de uma década, o estado já destinou 70% dos recursos aos provedores de serviços ambientais e 30% ao governo. A nova configuração surge de um amadurecimento coletivo, com base em experiências anteriores como o Programa REM – REDD Early Movers, implementado desde 2012, com apoio dos governos da Alemanha e Reino Unido.
Ao consolidar esse marco histórico, o Acre se mantém na vanguarda da política ambiental brasileira e global, dando um exemplo concreto de que justiça climática se faz com floresta em pé e respeito aos que vivem dela e para ela.
*Jaksilande Araújo é bacharel em Secretariado Executivo, tem mestrado em Educação Profissional e Tecnológica e MBA em Gerenciamento de Projetos e Gestão Pública. Possui vasta experiência em gestão pública nas áreas administrativa, orçamentária e financeira, tendo atuado na educação profissional, infraestrutura, segurança e ambiental. Foi diretora executiva e atualmente preside o Instituto de Mudanças Climáticas e Regulação de Serviços Ambientais do Acre (IMC)
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