A Assembleia Legislativa do Estado do Acre (Aleac) realizou, na manhã desta segunda-feira (30), uma audiência pública para discutir a presença de ritos religiosos no ambiente escolar. A iniciativa partiu da deputada estadual Michelle Melo (PDT), por meio do requerimento nº 53/2025, e reuniu educadores, representantes de instituições religiosas, órgãos públicos e membros da sociedade civil.
O debate teve como foco a conciliação entre a liberdade religiosa e o princípio da laicidade do Estado, assegurados pela Constituição Federal. Foram discutidos os impactos pedagógicos, sociais e jurídicos da realização de práticas religiosas em escolas públicas e privadas, além da importância de um ambiente escolar plural e respeitoso.
A deputada Michelle Melo fez um discurso em defesa da liberdade religiosa e da valorização da fé no ambiente escolar. “Irmãos de fé, nós vivemos tempos desafiadores, tempos em que a intolerância grita e em que o medo tenta calar a nossa esperança, mas também são tempos em que havemos de resistir e de ter fé. A escola, ela é o coração da nossa sociedade, é onde crianças e jovens sonham, aprendem e crescem. E se é lá que ensinamos matemática, ciência e história, por que não ensinar também o respeito? Por que não abrir espaço para a fé, essa força que nos sustenta em momentos difíceis? Garantir a presença dos ritos religiosos no ambiente escolar não é retroceder, é avançar com a humanidade. Não se trata de impor crenças, não se trata de impor absolutamente nada, trata-se de acolher a diversidade espiritual do nosso povo”, declarou a parlamentar.
Ela também destacou a importância da espiritualidade como elemento de cuidado integral com a saúde mental de crianças e adolescentes. Em sua fala, lembrou que o próprio Ministério da Saúde já reconhece e integra a espiritualidade nas políticas públicas de saúde. “Nós temos jovens necessitando de um olhar específico para sua saúde mental. Temos crianças de 7, 8, 9, 10 anos depressivas. Temos cada vez mais tentativas de suicídio em crianças de 10, 11, 12 anos”, alertou.
Segundo a deputada, muitos jovens são privados do contato com a fé e expostos a conteúdos nocivos sem que tenham valores e fundamentos para enfrentar a agressividade do mundo. “Quero agradecer a todos vocês, porque acredito que com esse movimento nós não só estamos falando de ritos religiosos, mas de um cuidado muito mais profundo com as nossas crianças, com os nossos adolescentes, e transformando o mundo realmente num lugar melhor e dando a eles uma base”, concluiu.
Lideranças religiosas defendem respeito à fé e valorização da espiritualidade nas escolas
O presidente da Federação de Religiões de Matriz Africana no Acre, Pai Célio de Logun, também participou da audiência pública e destacou a importância de garantir o respeito à diversidade religiosa nas escolas. Ele explicou que, a convite da deputada Michelle Melo, foi à Aleac para contribuir com o debate sobre os ritos religiosos no ambiente escolar, ressaltando que o tema é relevante para todas as religiões. “Estamos falando de educação, e escola é educação para educar o aluno. Dentro dos nossos ferreiros, o nosso costume já é educar o nosso povo a respeitar a fé do próximo e não atacá-la. Saber que cada um tem o direito de professar a sua fé, assim como nós, religiões de matriz africana, temos o direito de professar a nossa fé”, afirmou.
A conselheira Flávia Machado, representante do Centro Espírita Príncipe Espadarte e da Cadeira de Culturas Afro-Brasileiras do Conselho Estadual de Cultura, também participou da audiência pública e destacou a pluralidade das tradições religiosas presentes no Acre. “Estou aqui representando o Centro Espírita Príncipe Espadarte, que é uma vertente religiosa ligada às culturas ayahuasqueiras, mas também recebi o mesmo convite pela Cadeira de Culturas Afro-Brasileiras, que engloba as religiões de matriz africana, as religiões ayahuasqueiras e a capoeira”, explicou. Flávia agradeceu o convite feito pela deputada Michelle Melo e afirmou que participou da audiência com o objetivo de conhecer melhor o projeto e contribuir com o debate. “Estamos tomando contato com esse projeto hoje. Estou aqui para conhecer e contribuir naquilo que me couber. Obrigada a todos”, finalizou.
Em sua fala, o padre Mássimo Lombardi destacou a importância do diálogo inter-religioso como ferramenta de construção da paz e enfrentamento ao fundamentalismo religioso. Ele ressaltou que o Acre reflete a diversidade religiosa do Brasil e que, ao longo de quase duas décadas, o Instituto Ecumênico tem promovido ações universais com diferentes tradições, católica, evangélica, espírita, ayahuasqueira, de matriz africana e indígena, em favor do respeito mútuo e da inclusão. “Como educadores, temos a missão de transformar esta diversidade em ferramenta pedagógica para a paz”, afirmou, defendendo uma educação que ensine o respeito às diferenças sem que isso signifique abrir mão da própria identidade de fé.
Em seguida, a apóstola Deise Costa, fundadora da Igreja Renovada, defendeu o respeito à liberdade religiosa nas escolas e alertou para a crescente hostilidade enfrentada por estudantes que expressam sua fé. “Hoje, quem professa sua fé é cancelado, sofre bullying. Muitos jovens não têm preparo emocional ou familiar para enfrentar isso”, afirmou. Segundo ela, a escola deve ser um espaço de aprendizado acadêmico, e não de práticas religiosas, cabendo à família o papel de formar moralmente os filhos. “Precisamos compreender o que é ser humano, o que é ter misericórdia, compaixão daquele que está precisando de ajuda”, completou, fazendo ainda um apelo por mais empatia e menos divisões ideológicas na sociedade.
Antes de abrir espaço para os representantes das instituições educacionais, a deputada Michelle Melo aproveitou para apresentar aos participantes da audiência pública o teor do projeto de lei de sua autoria, já aprovado pela Assembleia Legislativa e aguardando sanção do governo estadual. Segundo a parlamentar, a proposta assegura a realização de ritos religiosos voluntários nas unidades de ensino públicas e privadas em todo o Estado. “Essa lei fala muito com relação ao que o Padre Máximo leu. E ela versa da seguinte forma: assegura a realização de ritos religiosos voluntários nas unidades de ensino públicos e privados em todo o Acre e dá outras providências”, explicou.
Michelle Melo afirmou que a iniciativa surgiu após relatos de que algumas religiões vinham sendo hostilizadas ou excluídas por dependerem da permissão subjetiva de cada gestor escolar. “Nós entendemos que retirar a subjetividade do gestor faz com que a gente garanta a liberdade religiosa sem que haja, de fato, a pessoalidade daquele que a autoriza”, destacou.
Representantes da Educação reforçam importância do diálogo inter-religioso nas escolas
A professora Elizabeth, presidente do Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino Privado do Estado, destacou durante a audiência a importância da liberdade religiosa e da cultura de paz nas instituições de ensino. Representando as escolas particulares, ela afirmou que, embora em menor número no estado, essas instituições seguem as diretrizes da legislação educacional e defendem o respeito à fé e ao culto. “Cada um tem que professar aquilo que acha melhor para si e para sua família, mas não nos espaços da escola como imposição”, ressaltou. Ela elogiou a iniciativa do projeto de lei discutido na audiência e afirmou que as escolas particulares já combatem a intolerância religiosa no ambiente escolar, promovendo o respeito mútuo e a empatia.
A vice-presidente do Conselho Estadual de Educação, Maria de Fátima Miranda de Lima, também contribuiu com o debate, trazendo a perspectiva institucional e normativa do órgão. Com uma trajetória de 40 anos na educação básica e 35 anos no Conselho, ela destacou o papel do colegiado como órgão normativo, consultivo, deliberativo e de avaliação das políticas educacionais no Estado. “Suas funções deliberativa, consultiva e mobilizadora são fundamentais para uma gestão democrática”, afirmou.
Em sua fala, a educadora também ressaltou a importância do amparo legal ao ensino religioso no Brasil, com base na Constituição Federal e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB). “O artigo 210, parágrafo primeiro da Constituição, determina que o ensino religioso seja parte integrante da formação básica do cidadão, com matrícula facultativa, e oferecido nos horários normais das escolas públicas, sempre com respeito à diversidade cultural e religiosa, vedando quaisquer formas de proselitismo”, explicou. Ela também citou o artigo 33 da LDB, que reitera essa obrigatoriedade com os mesmos princípios.
Michelle Melo agradece participação plural e defende sociedade mais tolerante e pacífica
No encerramento da audiência pública, a deputada Michelle Melo fez um agradecimento aos participantes e destacou a importância do diálogo inter-religioso como caminho para uma sociedade mais justa. “Todos que aqui estão se fizeram presentes porque estão imbuídos desse propósito. É um propósito desafiador, é um propósito difícil. Falar da nossa diversidade religiosa, da nossa ancestralidade brasileira, da nossa pluralidade, sempre será desafiador”, afirmou.
A parlamentar ressaltou que é preciso coragem para abrir portas e criar novas possibilidades de convivência. “Haverá de se melhorar ainda mais, com toda certeza, mas acredito que, em se tratando de uma segunda-feira de manhã, termos na casa do povo reunida a máxima diversidade religiosa possível para um debate como esse, isso já é de fato um embrião, um feto nascendo para uma sociedade acreana mais respeitosa, mais tolerante, mais justa e principalmente mais pacífica, misericordiosa”, concluiu. Segundo ela, apesar das diferenças, há um ponto comum entre todas as crenças ali representadas: “o que todos nós desejamos é mais amor e mais misericórdia”.
Texto: Andressa Oliveira/ Mircléia Magalhães
Fotos: Sérgio Vale